Os
cavalos retornariam ao seu lugar de origem muito tempo mais tarde, como
instrumento de denominação dos povos da Península Ibérica no continente
americano. Cristóvão Colombo, o descobridor, os introduziu na ilha de São
Domingos em 1493. Espalharam-se primeiro pelas regiões que deram origem a Porto
Rico e Jamaica, na América Central; desceram depois em direção à América do
Sul, pelos territórios que mais tarde formariam o Peru, Colômbia, Equador,
Venezuela, Chile e Bolívia. No México, chegaram transportados pelas tropas de
Hernán Cortez, em 1519. Estes tomaram o rumo da costa oeste dos Estados Unidos,
onde mais tarde dariam origem aos célebres mustangs norte-americanos.
Quatro décadas mais
tarde, no extremo sul do continente, o espanhol Don Pedro de Mendoza logo
fundaria Buenos Aires, mas na luta contra os índios perdeu exatos 76 cavalos.
Em liberdade, voltaram a seu estado selvagem e primitivo, reproduzindo-se de
forma espontânea. Algumas décadas depois, multiplicavam-se em extensas manadas
que se espalharam dos pampas argentinos aos campos da Província Oriental,
povoando as regiões remotas onde se formou o estado do Rio Grande do Sul.
Começava a ser delineada a história do cavalo no Brasil.
"O
cavalo do sol é um garanhão amarelo,
Um garanhão
azul, um garanhão negro;
O cavalo do sol veio até nós."
Os ancestrais de todas
as raças brasileiras eram exatamente belos e velozes. Pertenciam todos a raça
Andaluzia, originária da própria Península Ibérica, capaz de produzir um animal
que Aristóteles, ainda em 384 antes de Cristo, chamou de "filho do
vento". Cabeça pequena, orelhas também pequenas e bem postas, olhos
grandes e doces, pescoço altivo, crina e cauda abundantes, o Andaluz foi
reconhecido até pelos franceses como o mais famoso, o mais nobre e gracioso, o
mais valente e mais digno de ser montado por um rei. Sua origem remonta sua
própria formação dos continentes europeus e africanos, quando um cataclismo
geológico abriu o estreito de Gibraltar, separando fauna e flora da mesma
espécie e homens da mesma raça.
De um lado ficaram os
Íberos, de estirpe Berber e Amascirga nômades, alguns oriundos também do
Himalaia; do outro lado, os povos árabes. Ambos cultivaram cavalos de poucas e
sutis diferenças. O Equus Cabalus Asiaticus, com suas seis lombares na coluna
vertebral, deu origem ao cavalo árabe, enquanto o Equus Cavalus Africanus, com
uma lombar a menos, iria gerar o cavalo bérbere e, por conseguinte, o Andaluz.
A Guerra Santa empreendia pelos árabes no início do século VIII revelou-se
extremamente positiva para a raça. O criador Enio Monte afirma que, durante os
oitocentos anos de denominação na Península Ibérica (então chamada pelos
invasores de Al Andaluz), "emires e califas chegaram a ser magníficas
criações de cavalos na região de Andaluzia, estudando cruzamentos e
selecionando escrupulosamente os reprodutores; legaram à posteridade uma das
melhores raças de cavalo que se teve notícias e que influenciou praticamente
todas as raças existentes na época: a raça Andaluza". Portanto sangue
nobre corre nas veias das matrizes dos cavalos brasileiros, do sertanejo ao
crioulo.
Em 1546, enquanto
Jesuítas portugueses e espanhóis capturavam nos campos os primeiros baguais do
tropel de Mendoza (bagual: expressão gaúcha para designar o cavalo que se
tornou selvagem), chegaram a Santa Catarina 20 dos 46 cavalos trazidos pelo
colonizador Don Álvaro Nunes, conhecido como "Cabeça de Vaca", que
conseguiram sobreviver ao acidentes da longa viagem. O cruzamento destes
baguais com os animais de Don Álvaro Nunes originou um cavalo resistente e
rústico, de crinas grossas e pescoço mediano, dorso curto e reto, pernas
elásticas e cascos sólidos, que tornou o companheiro inseparável do homem dos
pampas, tanto do lado argentino como do brasileiro --- o cavalo Crioulo. Foi
esta nova raça que uniu os povos do rio Prata em torno do ideal comum da
criação. Foi ela que serviu aos primeiros índios que entenderam a importância
do cavalo como arma de guerra e dominação, os embaias-guaicurus.
Em 1795, o rebanho dos
índios cavaleiros era calculado pelos portugueses em 8 mil animais, e os
domínios dos guaicurus, com sua diversas ramificações, se estendia de Assunção
a Cuiabá.
Guerreiros célebres pela
audácia e coragem, eram temidos pelos brancos e pelos outros índios.
Tornaram-se imbatíveis com a ajuda do Crioulo.
Criado livre no campo,
sem abrigo ou trato especial, o cavalo Crioulo tornou-se extremamente sadio e
resistente a doenças impostas pela natureza. Com dois exemplares argentinos da
raça, "Mancha" e "Galo", o suíço A.F Tschifferly desafiou a
distância que separa Buenos Aires de Washington e, durante dois anos e meio,
venceu 16 mil quilômetros de florestas e montanhas andinas de mais de 5 mil
metros de altitude para chegar à capital americana com seus dois cavalos em bom
estado. O feito de Tschifferly incluiu o Crioulo entre as raças mais fortes do
mundo.
A história de formação
política e econômica do Rio Grande do Sul se fez na companhia destes animais.
Sem o seu "pingo", o gaúcho dos pampas não é um homem completo, nem
mesmo na sua forma de se comunicar: estão registradas no sul milhares de expressões
populares que envolvem este companheiro de todas as horas. "Arma, mulher e
cavalo, nada de emprestar", diz a sabedoria gaúcha. "Cria perto do
olhar o cavalo do teu andar".
Pesquisado por Ismael
Gonçalves da Silva
Nenhum comentário:
Postar um comentário