segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Febre Maculosa



Febre Maculosa


INTRODUÇÃO


Apesar de conhecida há muito tempo, a Febre Maculosa vem atualmente despertando preocupação de profissionais da saúde e de entidades governamentais responsáveis pela vigilância e controle epidemiológicos em diversos estados da federação, notadamente em São Paulo. O crescente número de casos suspeitos e os óbitos confirmados pela doença fazem com que seja dado um alerta para que toda a comunidade tome providências, principalmente no que se refere a medidas educativas de prevenção.
O envolvimento do Médico Veterinário nessa questão relaciona-se ao fato de que a Febre Maculosa é transmitida dos animais para o homem, constituindo uma importante zoonose e, neste contexto, é preciso conhecer amplamente os aspectos biológicos dos vetores, o modo como a doença é transmitida, seus hospedeiros, os aspectos clínicos e laboratoriais para diagnosticá-la, e baseado nessas informações, adequar um programa de profilaxia junto a propriedades e proprietários de animais que tenham contato com carrapatos, principalmente em áreas onde já foram identificados e comprovados casos da doença. Este texto tem como objetivo levar ao profissional Médico Veterinário uma revisão a respeito dos principais aspectos relacionados a doença com o intuito de atualizar e alertar sobre o seu importante papel no controle da Febre Maculosa.




EPIDEMIOLOGIA
A Febre Maculosa é uma doença antiga, tendo seu primeiro relato em indíviduos da região montanhosa do noroeste dos Estados Unidos em 1899, por esta razão é chamada naquele país de Febre das Montanhas Rochosas. Na década de 30 é identificada em alguns locais do Canadá, México, Panamá e Colômbia. No Brasil o primeiro caso foi reconhecido em 1929, em São Paulo e desde então, já foi registrada em outros estados brasileiros como Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo e, mais recentemente, Santa Catarina.
A doença também é chamada de Febre Maculosa Brasileira, Febre Maculosa de São Paulo, Febre do Carrapato ou Febre Negra. Segundo a Superintendência de Controle de Endemias de São Paulo (SUCEN), até a década de 80 foram diagnosticados casos isolados em municípios vizinhos da cidade de São Paulo, como Mogi das Cruzes, Diadema, Santo André e Pedreiras. A partir de então novos casos foram detectados em Jaguariúna, Campinas, Valinhos, Líndóia e Paulínia. Em junho deste ano causou a morte de três pessoas na cidade de Mauá e, apenas no mês de setembro, foram registrados 80 casos suspeitos de Febre Maculosa em Piracicaba. A doença foi declarada de notificação compulsória nestas regiões, seguindo as orientações do Ministério da Saúde. 
Em Minas Gerais, tem sido comum a ocorrência de casos isolados em áreas colonizadas, idependente de contato com a mata, ou foco natural da doença, além da forma epidêmica com elevado número de óbitos. Essa ocorrência, sob a forma de epidemia, pode ser verificada, em 1981, em Grão Mogol, Vale do Jequitinhonha; em 1984 no Vale do Mucuri, nos municípios de Ouro Verde de Minas e Bertópolis; em 1989, em Virginópolis - Vale do Rio Doce; em 1992, na periferia de Caratinga. Os casos isolados ou de ocorrência em pequeno número, mas de alta letalidade, têm ocorrido em todo o Estado, com exceção do sul de Minas e Triângulo Mineiro, com predominância nos Vales do Mucuri, Jequitinhonha e Rio Doce e na periferia de grandes cidades como Juiz de Fora e Belo Horizonte, em 1997.
A Secretaria de Vigilância do Ministério da Saúde foi informada da ocorrência de três casos com evolução para óbito, de pacientes residentes no Rio de Janeiro, que estiveram na região serrana do Estado, na área rural do município de Petrópolis. O diagnóstico realizado no laboratório de referência da FIOCRUZ RJ, confirmou tratar-se de febre maculosa. 


ETIOLOGIA, VETORES E RESERVATÓRIOS
A Febre Maculosa constitui uma zoonose e se não for diagnosticada e tratada a tempo pode levar o homem a óbito. É causada por uma bactéria denominada Rickettsia rickettsii, um microorganismo gram-negativo intracelular obrigatório, que tem como vetores os carrapatos infectados do gênero Amblyomma, como o Amblyomma striatum, comum em cães, Amblyomma brasiliensis e Amblyomma cooperi, mas principalmente o da espécie Amblyomma cajennense, que são conhecidos por "carrapato estrela", "carrapato do cavalo" ou "rodoleiro"; suas larvas são conhecidas por "carrapatinhos" ou "micuins" e as formas mais jovens (ninfas) por "vermelhinhos".


Os Amblyommas, pertencentes a família Ixodidae, são carrapatos trioxenos ou seja, precisam de três hospedeiros para completar a fase parasitária, sendo, um para larva, um para a ninfa e outro para o estágio adulto. De modo geral, os estágios de larva e ninfa são os que apresentam menor especificidade parasitária, podendo parasitar diferentes espécies, desde aves até mamíferos de diferentes tamanhos. Já o estágio adulto apresenta maior especificidade parasitária, restrita a algumas espécies. Tal comportamento faz dos carrapatos trioxenos os de maior importância na transmissão de patógenos na natureza, pois o fato de parasitarem espécies diferentes facilita o intercâmbio de agentes causadores de doenças entre os hospedeiros. 
Dada a menor especificidade parasitária das larvas e ninfas, estes são os principais estágios que parasitam os seres humanos. O exemplo  clássico é o da espécie Amblyomma. cajennense. Larvas e ninfas desta espécie podem parasitar várias espécies de animais, inclusive humanos. O estágio adulto é mais específico de grandes mamíferos tais como eqüinos, antas e capivaras e, eventualmente, quando as populações desse carrapato se apresentam muito numerosas, é que irá parasitar outros mamíferos inclusive humanos. No caso dos carrapatos trioxenos, tanto as larvas, como as ninfas e adultos são estágios de resistência no ambiente, já que terão uma sobrevida dependente das reservas energéticas adquiridas do estágio anterior do ciclo da vida. O adulto é o estágio que por mais tempo consegue sobreviver sem que encontre um hospedeiro, seguido pela ninfa, e por último, a larva, que apresenta a menor sobrevida sob jejum. De modo geral, os adultos de Amblyomma spp podem sobreviver em jejum, sob condições naturais, por 12 a 24 meses, a ninfa por até 12  meses e larvas 6 meses. 



CARACTERÍSTICAS BIOLÓGICAS DO Amblyomma cajennense 
As fêmeas depois de fecundadas e ingurgitadas (teleóginas) desprendem-se do hospedeiro e caem na vegetação do solo, onde cerca de 12 dias depois, inicia-se o período de oviposição. Neste período uma única fêmea ovipõe em torno de 5 mil ovos, ao longo de 25 dias, finalizando com a sua morte. Após o período de incubação (30 dias em média à temperatura de 25°C) ocorre a eclosão dos ovos e o nascimento das larvas (hexápodes) com aproximadamente 95% de larvas viáveis. As larvas sobem e descem a vegetação, conforme variações ambientais, até o encontro do primeiro hospedeiro, onde realizam o repasto de linfa, sangue e/ ou tecidos digeridos, por 3 a 6 dias. Em seguida desprendem-se do hospedeiro e buscam abrigo no solo onde, num período de 18 a 26 dias, ocorre a ecdise transformando-se no estágio seguinte (ninfa). As ninfas (octópodes) fixam-se em um novo hospedeiro e durante 5 a 7 dias ingurgitam-se de sangue. Assim como no estágio larval, as ninfas encontram abrigo no solo e sofrem nova ecdise após 23 a 25 dias, transformando-se nos carrapatos adultos que dentro de 7 dias já estão aptos para parasitar novos hospedeiros. Uma vez no hospedeiro os carrapatos machos e fêmeas fazem o repasto tissular e sanguíneo, ocorrendo o acasalamento. A fêmea fertilizada inicia o ingurgita-mento que termina em 10 dias aproximadamente. A partir de então a fêmea solta-se da pele do hospedeiro, vai ao solo e dá início a uma nova geração. O Amblyomma cajennense completa uma geração por ano, mostrando os três estágios parasitários marcadamente distribuídos ao longo do ano, sendo larvas de março a julho, ninfas de julho a novembro e adultos de novembro a março. 
O Amblyomma cajennense é responsável pela manutenção da Ricketisa rickettsii na natureza, pois ocorre transmissão transovariana e transestadial. Esta característica biológica permite ao carrapato permanecer infectado durante toda a sua vida e também por muitas gerações após uma infecção primária. Portanto além de vetores os carrapatos são os principais reservatórios da Rickettsia, uma vez que todas as fases evolutivas, no ambiente, são capazes de permanecer infectadas durante meses ou anos à espera do hospedeiro, garantindo um foco endêmico prolongado.


HOSPEDEIROS
Esses carrapatos são obrigatoriamente hematófagos e têm como hospedeiros mamíferos silvestres (foco natural da doença) como capivaras, gambás, coelhos, cotias; aves silvestres como seriemas; aves e animais domésticos como cavalos, bois, carneiros, porcos e cães. Existe a hipótese de transmissão peridomiciar onde o cão seria o principal carreador de carrapatos para o ambiente doméstico. Uma vez infectados, os animais apresentam uma baixa concentração de Rickettsias circulantes, sendo reservatórios transitórios, adquirindo resistência duradoura após o período parasitêmico que é variável entre alguns dias a poucas semanas. Assim, os animais que foram contaminados mas que não possuam mais carrapatos aderidos na pele ou no seu ambiente poderão não propagar a doença. Dessa forma, a doença não depende desses animais para sua manutenção, já que o Amblyomma cajennense é responsável pela manutenção da Ricketisa rickettsii na natureza. 




TRANSMISSÃO 
A transmissão da bactéria ao homem ocorre pela picada do carrapato infectado durante o final de sua alimentação, após ficar aderido na pele por um período de 4 a 10 horas. Acredita-se que a transmissão da Ricketisa, pela forma adulta do carrapato seja menos comum pois, devido ao aspecto doloroso de sua picada, as pessoas o retiram mais rapidamente do corpo, não havendo a permanência pelo período citado, o que normalmente não ocorre com as formas jovens que, pela picada menos dolorosa, muitas vezes nem mesmo são percebidas. Pode ocorrer também a infecção por meio de lesões na pele ocasionadas concomitante ao esmagamento do carrapato ao tentar retirá-lo. Esta doença não se transmite diretamente de uma pessoa para outra, a não ser com a transfusão de sangue proveniente de uma pessoa contaminada pela bactéria, não sendo necessário isolar o paciente.




PATOGENIA
Após a picada do carrapato infectado, a Rickettsia rickettsii ganha a corrente circulatória e invade as células endoteliais dos pequenos vasos, onde causam aumento da permeabilidade vascular e necrose, através de produtos de seu metabolismo. 


SINTOMATOLOGIA
Os primeiros sintomas da Febre Maculosa levam de dois a 14 dias para se manifestar em No homem, em geral, ocorrem forte mal-estar, febre alta, dor de cabeça, congestão das conjuntivas e lesões na pele que surgem por volta do 3° e 5° dia, como manchas avermelhadas (máculas) nos pulsos, tornozelos, palmas das mãos e sola dos pés. Pode progredir para lesões no sistema nervoso, causando confusão mental, letargia, fotofobia, surdez transitória e convulsões; lesões em rins com insuficiência pré-renal por hipovolemia, sendo que em alguns casos há necrose tubular aguda e acometimento pulmonar caracterizando-se por pneumonia intersticial, infiltrado alveolar e derrame pleural. 
Dentre os animais domésticos apenas o cão pode apresentar alguma susceptibilidade à doença, mas dificilmente é detectada clinicamente. Quando os sinais clínicos estão presentes eles são relacionados a distúrbios circulatórios como petéqueas e sufusões em mucosas oculares, nasais, orais e genitais, edema e epistaxes; diarréia sanguinolenta ou não; vômitos, aumento dos linfonodos, esplenomegalia, dores musculares e articulares, bem como complicações cardiovasculares, neurológicas e renais.
O problema é que, como a febre maculosa tem sintomas inespecíficos e costuma ser confundida com outras doenças, o diagnóstico correto e, conseqüentemente, o tratamento adequado, muitas vezes demoram a ser implementados. Se a doença não for devidamente tratada, a letalidade pode chegar a 80%.


DIAGNÓSTICO
O diagnóstico laboratorial pode ser realizado por meio de cultura de sangue ou de tecidos visando o isolamento e identificação do agente, ou por teste sorológico através da técnica de imunofluorescência indireta para detecção de anticorpos. Como os anticorpos começam a aumenta a partir da segunda semana de doença, a amostra de sangue para sorologia deverá ser colhida após o 7° dia. Quando a sorologia de duas amostras colhidas com intervalo médio de 10 a 14 dias mostrar soroconversão de 4 vezes o título ou se a amostra única mostrar títulos de IgG maior ou igual a 64 com qualquer título de IgM então a doença está confirmada. Pode também ser feita a identificação do DNA da Rickettsia no sangue infectado pela técnica de PCR (Reação em Cadeia de Polimerase). Segundo o Centro de Vigilância Epidemiológica da Secretaria de Estado da Saúde, em São Paulo até o momento somente o Instituto Adolfo Lutz Central realiza os exames de imunofluorescência indireta e isolamento e, no Rio de Janeiro, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).


DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Diversas doenças devem ser incluídas no diagnóstico diferencial da Febre Maculosa em humanos, entre elas a leptospirose, sarampo, febre tifóide, dengue, febre amarela, meningococcemia, doença de Lyme, sepsis por gram-negativos, mononucleose infecciosa, sífilis secundária, reações a drogas e enterovirose.
Nos cães que apresentarem sinais clínicos, embora raramente e de forma inespecífica, podem ter diagnóstico diferencial relacionado a Ehrlichiose canina.


TRATAMENTO
Depois do início dos sinais clínicos, o tratamento deve ser iniciado dentro de no máximo uma semana, caso contrário, o risco de óbito é elevado pois os medicamentos poderão não apresentar o efeito desejado. O tratamento consiste no uso de antibióticos como cloranfenicol ou tetraciclinas, lembrando que as tetraciclinas não podem ser usadas em menores de 8 anos e gestantes. Além dos antimicrobianos, são indispensáveis os cuidados médicos e de enfermagem dirigidos para as possíveis complicações, sobretudo as renais, cardíacas, pulmonares e neurológicas. 


PROFILAXIA E MEDIDAS DE CONTROLE
Em função das constantes mudanças no meio ambiente, o aumento de animais silvestres nas cidades, as alterações no manejo de espécies domésticas (bovinos e eqüinos) e o aumento da oferta de alimentos, ocorre também a elevação da população do Amblyomma cajennense proliferando de maneira mais rápida o agente da Febre Maculosa. Dessa maneira deve-se dar importância às medidas profiláticas que consistem em evitar contato com carrapatos. Evitar caminhadas em áreas conhecidamente infestadas por carrapatos no meio rural e silvestre. Quando necessário transitar nessas áreas, é fundamental sempre vestir calças compridas e botas, vistoriando o corpo em busca de carrapatos em intervalos de 3 horas, pois quanto mais rápido for retirado, menos serão os riscos de contrair a doença. Não esmagar os carrapatos com as unhas a fim de evitar microlesões na pele por onde a bactéria pode penetrar. O controle de carrapatos pode ser feito por técnicas não químicas ou de manejo como manter gramas e arbustos aparados rentes ao solo permitindo maior penetração dos raios solares e de calor nas pastagens já que o Amblyomma cajennense é sensível à insolação e à falta de umidade. Nos pastos onde são criados bovinos e eqüinos é sempre possível inviabilizar a fonte de alimento dos carrapatos utilizando-se de rotação de pastagem, que além de propiciar um controle dos carrapatos, melhora as condições do pasto e controla também outros tipos de parasitas. O controle químico dos carrapatos nos animais também é de grande valia desde que feito de forma programada e com assistência profissional. É oportuno salientar que um dos problemas graves no controle do Amblyoma cajennense é a sua capacidade elevada de desenvolver resistência aos carrapaticidas que são comumente disponibilizados no mercado. Como exemplo desse problema, pode-se mencionar os resultados de carrapatogramas de diversas amostras de Amblyomma cajennense colhidas em eqüinos levados à internação na EV / UFMG, que evidenciaram resistência absoluta a todas as bases de carrapaticidas até então disponíveis para o controle de carrapatos em eqüinos. 


CONSIDERAÇÕES FINAIS 
A atual ocorrência crescente de Febre Maculosa acarretando morbidade e óbitos em humanos no Brasil configura uma realidade consideravelmente preocupante no cenário da saúde pública. Por isso, deve ser combatida através de estratégias implementadas por equipes de profissionais da saúde em que o Médico Veterinário deve ter função destacada, na medida que se trata de uma zoonose importante, envolvendo diversos hospedeiros constituídos por vários animais silvestres ou domésticos além de um vetor representado cuja a biologia e controle são, por prerrogativa profissional e necessidade, mais estudados por esse profissional da saúde.


REFERÊNCIAS
1.Centro de Controle de Zoonoses do Estado de São Paulo; 
2.Centro de Vigilância Epidemiológica - Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, Informe técnico Febre Maculosa Brasileira, setembro de 2002.
3.SUCEN - Superintendência de Controle de Epidemias de São Paulo, www.sucen.sp.gov.br/doencas/f_maculosa/texto_febre_maculosa_pro.htm, elaborado por Adriana Maria L. VIeira, Celso Eduardo de Souza, Marcelo Bahia Labruna, Renata Caporalle Mayo, Savina Silvana A. L. de Souza, Vera Lucia F. de Camargo Neves, Virgília Luna Castor de Lima. 
4.Corrêa, W.M, Corrêa, C.N.M., Enfermidades Infecciosas dos Mamíferos Domésticos; 2ª Edição, 1992.
5.Márcio Antônio Moreira Galvão, FEBRE MACULOSA, Departamento de Nutrição Clínica e Social, Escola de Nutrição - Universidade Federal de Ouro Preto, www.ufop.br/pesquisa/revista/maculosa.htm.



                                                Texto revisado por: Dr. Geraldo Eleno Silveira Alves 

                                                                            Dr. Luis Renato Oseliero

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